sexta-feira, 28 de outubro de 2005

A Maçã Nua

FADE IN:

CENA 1 - INT. SALA DO APARTAMENTO - NOITE
Um cigarro esquecido queima em um cinzeiro no chão. No fundo, alguém [IVO] se mostra inquieto e irritado, andando de um lado para o outro, entrando e saindo do ambiente em questão. Esse personagem masculino, um tanto fora de foco, joga uma bolsa velha no chão, colocando dentro ou entulhando ao lado dela alguns pertences (livros, vinis, roupas, um violão). Em seguida, volta a se mover de modo apreensivo, ausentando-se constantemente de nosso campo visual, enquanto uma música melancólica ['THERE IS AN END' - THE GREENHORNES] toca numa antiga vitrola que também aparece em quadro do lado esquerdo. Vez ou outra, o rapaz surge ora dando um leve chute em sua mochila, ora abaixando para amarrar o sapato, ora pondo suas coisas em ordem, separando alguns dentro da bolsa. De súbito, interrompe seu percurso, pega a bolsa com rispidez – deixando o instrumento musical cair e abandonando outros objetos - e se dirige até uma porta ao fundo. Abre, hesita por um segundo e bate com força ao sair. 

FADE OUT:

“A MAÇÃ NUA” 

FADE IN:

CENA 2 - EXT. PRAÇA - DIA / TARDE
Imagens documentais de dois velhos [que poderiam ser DAVI E IVO] sentados em um antigo banco de uma praça qualquer. Essa cena se repete algumas vezes ao longo do roteiro, contudo, a cada retorno, aparecem senhores diferentes em praças diferentes. Nessa primeira, é perceptível uma sensação de indiferença entre eles, composta especialmente na falta de olhares e na falta de palavras. DAVI, sem demonstrar expressão alguma, tira vagarosamente uma carteira de cigarros do bolso. Não dá importância para um que cai no chão, enquanto coloca outro na boca. Em seguida, pega um isqueiro mais lentamente do que pegara o cigarro e o acende próximo ao rosto enrugado. Dá um longo trago, mas não chega a soltar a fumaça. 

CENA 3 - EXT. TERRENO– FIM DE TARDE (FLASHBACK) 
Um jovem [DAVI], visivelmente ébrio, solta, entre a tosse e o sorriso, a fumaça de um cigarro que acabara de acender, continuando o sentido da cena anterior. Ele está sentado ao lado de outros três garotos, todos no início da adolescência, em galhos secos e velhos caídos no chão. Ao redor dos quatro, existem árvores densas e nem tão densas, além das paredes de uma casa em ruínas tomada pelo verde. Todos estão vestidos com a farda de seus colégios quaisquer. Suas bolsas e sapatos estão pendurados em galhos e largados pelos cantos, assim como algumas fotos em preto e branco presas a barbantes. Um incenso está encaixado em algum lugar. 

O cigarro roda de mão em mão para um lado, enquanto uma garrafa de vinho barato roda para o outro. DAVI e dois dos jovens bebem e fumam muito, enquanto contam suas situações de quase-sexo (como tinham chupado uma menina, como tinham metido o dedo). As risadas são constantes. IVO parece distante daquele assunto, permanece calado e se destaca em relação aos seus amigos por não ser tão exagerado quanto eles. Não fuma e tosse bastante por conta da fumaça. Restringe-se a dar apenas leves goles no vinho, enquanto olha algumas fotos em suas mãos. Vez ou outra chama a atenção de DAVI para ver uma das fotografias. O amigo, instantaneamente, sai do clima da conversa e sempre se mostra curioso ou interessado aos chamados de IVO. 

Aos poucos, os jovens ficam bêbados e começam a andar pelos galhos caídos, fechando os olhos, rodando a cabeça, escorregando e rindo. Em seguida, todos, exceto IVO, ficam apenas de cuecas e correm para fora do ambiente em questão. Gritam como loucos. IVO dá um último gole no vinho, mantém um ar quase blasé até olhar para trás e sorrir meio anestesiado ao recusar o chamado dos amigos. Começa a tossir repetidamente, enquanto observa, com certa melancolia, nomes, desenhos e frases escritas na madeira em que está sentado. Nota-se que muitos daqueles rabiscos foram feitos em tempos diferentes. Termina por fim escrevendo com uma chave a frase: "you can't shine if you don't burn". 

CENA 4 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
Close numa mão enrugada escrevendo a mesma frase na madeira do banco, enquanto tosse repetidamente, continuando o sentido do momento anterior. Novamente voltam as imagens documentais de diferentes senhores em praças igualmente distintas. Sempre são focados dois velhos sentados com um olhar perdido; apático. Um deles [DAVI] traga seu cigarro, vagarosamente. IVO coloca a mão no rosto, faz expressões sutilmente vagarosas e cansadas até se lançar a um movimento brusco para cruzar as pernas. 

CENA 5 - INT. SALA DO APARTAMENTO – MADRUGADA (FLASHBACK). 
Um jovem [IVO] descruza as pernas no mesmo compasso, continuando o sentido da cena anterior. Duas cadeiras estão frente a frente a certa distância. Um rapaz [IVO] de aproximadamente uns vinte e quatro anos e uma MULHER desta mesma idade – quase despidos – estão sentados nelas. Em volta, o chão está coberto com fotos coloridas e garrafas de rum e coca-cola (cuba-libre). Entre as duas cadeiras, há um cavalete onde repousa uma tela ainda não terminada e o apartamento em si tem um ar de recém ocupado. IVO e a moça se encaram através de um olhar ora cínico, ora sereno; através de um sorriso ora sarcástico, ora confortante. Há uma tensão e um cinismo latentes no ar. A MULHER se levanta com um ar blasé, fumando um cigarro na piteira. Aproxima-se da tela e dá uma ou duas pinceladas. IVO permanece imóvel mesmo depois dela passar por trás de sua cadeira, tocando-o de leve, sussurrando algo no seu ouvido, tocando em seus mamilos e mordiscando sua orelha. Em seguida, a MULHER anda até uma antiga vitrola onde pega um vinil nas mãos. Faz uma expressão de repulsa e o devolve ao seu lugar. Pega outro vinil, abre um sorriso contido e coloca o som o mais alto possível [LE TEMPS DE L'AMOUR - APRIL MARCH]. Esboça uma dança lenta, movimentando os braços, cheia de charme. IVO sorri, cruza as pernas novamente, toca o rosto agora sério até voltar a sorrir. A porta do apartamento é aberta por um outro jovem (DAVI). Primeiro um sorriso ébrio e malicioso. Em seguida, dá um trago em seu cigarro e seus olhos verdes não escondem uma surpresa indesejada. 

* A MULHER está de calcinha usando uma camisa de botão do rapaz. A camisa está meio aberta na parte superior, insinuando os seus seios, aumentando a sensualidade já intrínseca a ela. Além do charme enquanto fuma, a moça também mostra sua delicadeza em cada um de seus passos curtos e, principalmente, em sua dança. Ela possui olhos serenos e inocentes, que se transformam sem problemas num olhar astuto, charmoso ou sagaz. 

CENA 6 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
Voltam as imagens documentais. Os olhos verdes de DAVI continuam os mesmos. Ele olha para os lados, pisca, fecha os olhos com uma expressão densa. DAVI leva a mão esquerda à cabeça, permanece com os olhos fechados e se mostra um tanto desconfortável. IVO descruza as pernas e amarra o tênis. DAVI desperta e olha desinteressado para cima, quase esboçando um sorriso por trás da falta de expressão. Puxa a fumaça do cigarro e tenta produzir círculos de fumaça com a boca falhando algumas vezes até conseguir. 

CENA 7 - EXT. RUA – DIA (FLASHBACK) 
Um garoto de oito anos [DAVI] assopra bolhinhas de sabão continuando o sentido da cena anterior. Ele corre com a mão levantada, numa linha de trem aparentemente abandonada, depois de algum tempo percebemos que atrás dele vem outro garoto [IVO] também soltando bolinhas de sabão. IVO tropeça e cai, DAVI continua em frente, então para de correr e volta. Ambos sentam na ponta da linha de trem suspensa, IVO vai perdendo o olhar de choro, ampliando um olhar curioso, os dois balançam as pernas enquanto as bolhinhas de sabão tocam a ponta de seus pés. 

CENA 8 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
DAVI e IVO, novamente encarnados em diferentes velhos, continuam o balançar de pernas que, obviamente, não permanece idêntico, mas que remete vagamente à sua infância. Continuam em suas posições, sem trocarem palavras ou olhares. Alguns pedestres ou ciclistas passam anônimos por suas frentes. Alguns olham, outros nem isso. Por sua vez, nada parece interessar aqueles dois senhores, nada os resgata por completo de seus postos apáticos. IVO tira, vagarosamente, os óculos para limpá-los. 

CENA 9 - INT. SALA DO APARTAMENTO - NOITE (FLASHBACK). 
Continua o movimento de limpar os óculos (nesse caso, óculos escuros, excêntricos). Duas cadeiras estão frente a frente e a certa distância uma da outra. IVO e DAVI com seus vinte e tantos anos – apenas de cueca, Davi com uma gravata roxa – estão sentados nelas se encarando. Suas roupas estão espalhadas pelo chão da sala, que agora abriga em suas paredes um enorme acervo de referências culturais, formatando um verdadeiro mosaico pop. Um ou dois abajures estão acessos dando à sala um clima de meia-luz. 

DAVI se levanta, passa por trás da cadeira em que estava sentado e percorre a sala tocando com uma expressão carregada alguns objetos e inúmeros recortes presos na parede. Dá alguns tragos no baseado que tem em mãos, enquanto caminha vagarosamente. Chega até a vitrola e desliga o som. Continua a trajetória até ficar de frente a um GRANDE QUADRO por trás da cadeira onde IVO está sentado. 

O quadro de uma MAÇÃ - em cores fortes e linhas disformes - contrasta com as costas nuas de DAVI e o peitoral nu de IVO. Em cima da tela é possível ver escrito em letras rabiscadas “you can't shine if you don't burn”. DAVI encara profundamente o quadro e não o toca. IVO, por sua vez, ainda sentado, encosta a cabeça nas costas de Davi. A tensão é extrema. 

DAVI (APREENSIVO) 
Como aconteceu isso, Ivo? 

IVO (RELAXADO E IRÔNICO) 
Não importa. Eu também não entendo, pronto, passemos pra próxima.(pausa) E não era sempre você que me instigava a tentar tudo? (pausa) Olhaí, aqui estamos, essa é só mais uma tentativa.

DAVI se vira e olha para baixo. IVO permanece com a cabeça encostada no amigo e olha para cima. Encaram-se por um instante. DAVI coloca o baseado na boca de IVO que traga sem problema e, em seguida, coloca na sua própria boca. 

DAVI (RÍSPIDO) 
Mas caralho... (pausa) eu acho que já passamos do ponto. 

IVO (RELAXADO) 
Não, Davi... (pausa) não existe mais um ponto. 

Continuam se encarando. IVO agora pega o baseado da boca de DAVI e coloca na sua própria boca. DAVI se vira e abaixa a cabeça. IVO coloca os óculos escuros de volta no rosto carregado de ironia. 

CENA 10 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
Continua o movimento dele colocando os óculos de volta. IVO vira para o outro personagem e faz menção a dizer algo, seus lábios inseguros chegam a se mover, a dar impressão de um sussurro. Porém, DAVI olha para o lado oposto. IVO hesita, permanece calado e se vira. Nesse mesmo momento, DAVI o olha e desvia o olhar, o olha e desvia o olhar novamente. IVO toma ar e se vira pronto para falar algo, quando DAVI já está novamente olhando para o lado oposto. IVO desiste de sua tentativa e termina por fazer um barulho com a boca, uma espécie de assobio. 

CENA 11 - EXT. PRAIA – NOITE (FLASHBACK) 
O assobio permanece vindo da boca de IVO, visivelmente ébrio, continuando o sentido da cena anterior. IVO está deitado de mãos atadas a uma garota que usa uma vestimenta leve. Do seu outro lado, está DAVI. Todos três na areia de uma praia aparentemente deserta. Algumas garrafas de vinho, umas bolsas abertas e uma fogueira ao fundo compõem o ambiente. 

A menina está quase dormindo. Já os dois rapazes olham as estrelas, apontando vez por outra para o céu. IVO parece explicar a DAVI algo sobre o sol que vem nascendo e as nuvens negras que se afastam, enquanto esse se mantém atento, por trás de um sorriso misterioso e triste. Em dado momento DAVI assanha o cabelo de IVO e encosta a sua testa carregada de tristeza no braço do amigo. Uma chuva fina começa a cair. 

IVO (RELAXADO E ÉBRIO) 
Porra... (suspiro) eu sempre me pergunto se uma amizade se faz por todos os anos que se passam ou pelos últimos dez minutos de picuinhas e intrigas. E, pra falar a verdade, nunca sei a resposta.

DAVI (MEIO INDIFERENTE E ÉBRIO) 
Provavelmente a gente se força a crer nos anos, ainda que esteja sob o destino dos minutos (pausa). Dos minutos ou quem sabe dos segundos, dos centésimos, dos milésimos... de todos esses detalhes invisíveis. (longo gole no vinho) Tsc... a intensidade é uma ilusão, a profundeza não. (longa pausa) Eu sempre penso no longo tempo em que passamos construindo um relacionamento e no tempo mínimo que podemos colocar tudo a perder. Tudo. (pausa) Tudo. (Pausa) Mas, pra ‘também’ falar a verdade, meu amigo... eu acho que o tempo, o tempo não tem nada a ver com isso. 

Permanecem em silêncio. IVO dá imensos goles em seu copo até correr para o mar, tirando suas roupas; gritando como um louco. Porém, antes de se perder na escuridão se vira e chama seus companheiros. Os dois se levantam. DAVI dá um leve beijo na boca da mulher, mais sereno do que sexual. Em seguida, encara o amigo o negando com um sorriso triste. DAVI o observa mais um pouco, abaixa a cabeça e fecha os olhos. Abre um guarda-chuva, se vira e vai embora. Enquanto isso, a garota, que havia saído correndo pela areia, chega até IVO e o beija. Esse, por sua vez, não dá nem importância a ela. Sua atenção esta presa à reação do amigo. Seus olhos negros não escondem a surpresa indesejada. 

* Nessa cena, primeiro a MULHER está praticamente dormindo e, em seguida, a garota se mostra completamente serena. Seu rosto tem aquela beleza de quem acabou de acordar, aquela leveza, aquela expressão singela. O beijo em Davi é sincero, mas completamente fraternal (não é um beijo de língua, apenas encosta os lábios lateralmente nos lábios de Davi e lhe dá um abraço apoiando a cabeça no ombro dele). 

CENA 12 - EXT. PRAÇA – DIA/TARDE 
Os olhos negros de IVO continuam surpresos. Ele olha para os lados, pisca, fecha os olhos com uma expressão densa – intercala com fotos de uma intimidade sutil entre os personagens da última cena. Uma chuva fina começara a cair. DAVI está com um guarda-chuva aberto, enquanto IVO permanece se molhando. Os dois já parecem um pouco inquietos, em especial IVO. Suas mãos estão trêmulas. DAVI coloca a mão apoiada no banco e deixa o cigarro queimar sem se mover nem para tragar. A cinza se acumula. 

CENA 13 - INT. SALA DO APARTAMENTO – NOITE (FLASHBACK) 
Um cigarro esquecido queima em um cinzeiro no chão. No fundo, alguém [IVO] se mostra inquieto e irritado, andando de um lado para o outro, entrando e saindo do ambiente em questão. Esse personagem masculino, um tanto fora de foco, joga uma bolsa velha no chão, colocando dentro ou entulhando ao lado dela alguns pertences (livros, vinis, roupas, um violão). Em seguida, volta a se mover de modo apreensivo, ausentando-se constantemente de nosso campo visual, enquanto uma música melancólica ['THERE IS AN END' - THE GREENHORNES] toca numa antiga vitrola que também aparece em quadro do lado esquerdo. Vez ou outra, o rapaz surge ora dando um leve chute em sua mochila, ora abaixando para amarrar o sapato, ora pondo suas coisas em ordem, separando alguns dentro da bolsa. De súbito, interrompe seu percurso, pega a bolsa com rispidez – deixando o instrumento musical cair e abandonando outros objetos - e se dirige até uma porta ao fundo. Abre, hesita por um segundo e bate com força ao sair. O cigarro continua a queimar no cinzeiro até que a mão de um segundo personagem [DAVI)], que até então estava totalmente OCULTO na cena, bate a cinza e tira o fumo de quadro. DAVI aparece no ambiente indo até onde a mochila do outro personagem estava anteriormente. Possui um cigarro numa mão e uma garrafa de vinho na outra. Vai até a porta, senta e encosta a cabeça nela, ao mesmo tempo em que fuma seu cigarro e bebe do vinho. A partir disso enquanto no cinzeiro vão aparecendo goias e mais goias de cigarros fumados, DAVI, em cada momento, está numa posição e vestimenta diferente dentro do ambiente (ora deitado olhando para cima, ora deitado sem camisa meio que dormindo, ora sentado fumando, ora andando apreensivo, ora sentado tocando um instrumento musical melancolicamente, ora bebendo muito). Por fim, DAVI vai até o cinzeiro e apaga o seu último cigarro. Resta apenas um fio de fumaça. 

CENA 14 - EXT. PRAÇA – DIA 
Um fio de fumaça sai de um cigarro recém apagado no chão ao lado do sapato de DAVI. O cigarro permanece acesso por algum tempo até que a fumaça se torna mais e mais rala até se extinguir de uma vez. DAVI se levanta, fecha o guarda-chuva e sai por um lado, sem dar importância ao outro senhor. IVO demora mais um bom tempo sentado, em seguida, olha para o lado que o outro seguira por alguns segundos. Termina saindo pelo caminho oposto. O banco fica vazio. 

FADE OUT. 

CRÉDITOS

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Recorrência

- Você tem um calendário aí na carteira?

- Mas para que você precisa de um calendário se todos os seus dias são iguais?

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Wars

Se George Lucas tivesse realmente chamado Orson Welles para fazer a voz do Darth Vader, desistiu por acreditar que a voz seria facilmente reconhecida, tenho certeza que Welles ia meter muito mais do que a boca, ia meter logo o bedelho inteiro, na trilogia toda. Pois é, talvez os ewoks não existissem.