quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Pas de Deux (Canadá, 1968), de Norman Mclaren

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Violeta Blues

FADE IN

CENA 1 – EXT. BOTECO NO CENTRO DO RECIFE – FIM DE TARDE
A câmera passeia pelo centro do Recife, com vários relances de travellings cortados para travellings, revelando o cenário caótico, com vendedores de DVDs piratas, bares lotados, mendigos, meninos de rua, pessoas apressadas. Sobreposto a essas imagens, inicia-se o diálogo entre duas mulheres [ANA E CLARA]. Suas vozes são marcadas essencialmente por um ritmo lento, cheio de pausas e respirações; um ritmo melancólico que se torna mais brando no decorrer da cena. Ainda que inicialmente ocultas, as personagens conseguem construir, através de suas vozes e de seus ruídos (tragos em cigarro, goles em alguma bebida), uma imagem de extremo charme e tristeza. Imagem essa que ao final aparece como apenas mais uma das imagens do centro do Recife. 

CLARA 
Provavelmente, a altura da conversa, isso pouco importa, Ana. Você mesma diria que pouco importa, mas eu sempre me pego pensando em como ninguém soube brincar com o amor e o ódio tão bem como a gente fez. (pausa) A gente nunca perdeu o encanto primeiro que nos unia. Nunca e nem mesmo agora eu sinto falta de um encanto. (pausa) Nem mesmo agora, porra. 

ANA (irônica) 
Você fala como se todo esse encanto, toda essa sinceridade, como se toda nossa intimidade fosse uma coisa maravilhosa (pausa) Fala como se fosse uma coisa que me fizesse muito bem. Só que não fez e continua não fazendo. (pausa) Pois, sendo bem sincera, eu sempre me pego pensando em como nossa relação poderia ser mais rasa, mais descartável mesmo, sabe? (pausa) E se fosse assim, seria bem mais fácil esquecer. (pausa) E esquecer (pausa) E esquecer. Seria bem mais fácil deixar de lado nossas palavras, nossas histórias, tudo. Ia ser como já fiz outras vezes com outras pessoas (pausa) Ia ser como a gente faz o tempo todo. (pausa) Porra, as pessoas entram e saem das nossas vidas o tempo todo, Clara. É um ciclo e você sabe bem disso, afinal você sempre brincou tanto. (pausa) E tanto. (pausa) E tanto (Pausa) Às vezes fica alguma coisa, às vezes não fica porra nenhuma. (pausa) Isso é o tipo de situação que ta sempre acontecendo e o tipo de situação que não faço questão nenhuma de evitar. 

CLARA (cortando) 
É o tipo de situação que não se aplica a nós duas. (pausa) Podemos daqui a trinta anos ignorar tanto nossa história que vai parecer esquecimento. (pausa) Eu acho que só vai parecer, na linha de preferir não pensar, só que também não deixar totalmente de lado. 

ANA (retomando) 
Ô, sua idiota, eu não to dizendo que eu queria que fosse assim com a gente, só to dizendo que seria mais fácil. 

CLARA 
Eu não quero que seja fácil, Ana. (pausa) Eu não quero que seja e você também não. (pausa) Nós tínhamos uma coisa diferente e isso deve ter algum valor pra você. (pausa) Um valor ‘histórico’ que seja (pausa). Não tente tornar as coisas mais fáceis, deixe de ser preguiçosa. Você vai terminar estragando tudo. 

ANA (irônica) 
Estragando tudo? Estragando o que minha senhora? Tudo já tá mais que fudido, querida (pausa) Hoje deve fazer um ano que não nos víamos e sejamos sinceras, não há mais AQUELA saudade. Resta apenas, uma curiosidade estética. O meu cabelo cresceu. Você esta mais feia. (Pausa) Só isso. 

Nesse momento aparece a imagem de várias pessoas sentadas numa mesa de bar, dentre elas ANA e CLARA estão no fundo sem grande destaque. 

CLARA 
Você sabe porque eu me afastei. 

ANA 
Às vezes você fala de você mesma como se fosse uma terceira pessoa, como se as coisas estivessem fora do seu controle.

CLARA 
E estavam

ANA (tédio) 
Não, Clara, não estavam não, porra. (Pausa) Aquele só foi mais um dos momentos que você não soube lidar. 

Ana afasta o rosto, quando Clara tenta tocá-la carinhosamente na face. 

CLARA 
Eu só não entendo essa sua resistência. 

ANA (calma / cínica) 
Não existe disputa alguma, portanto não existe resistência alguma, minha querida. (pausa) Na verdade, o que mais me incomoda é ver você falando como se tivesse dormido com um telefonema meu e acordado nua do meu lado na cama. (pausa) Clara, do mesmo jeito que eu não posso apelar para o esquecimento, também não posso criar uma naturalidade que não existe mais. (pausa) Não posso. (pausa) Eu não consigo viver com alguém que pode me abandonar a qualquer momento. Desculpa, mas não é do meu feitio. Entre amar e viver receosa e não-amar e viver segura, eu prefiro viver segura, sem dúvida. (Pausa) Eu não suportaria outro abandono, outros motivos, outras palavras. Nada. 

CLARA 
Você não pode impor uma mediocridade entre a gente. (pausa) Por favor, não me force a isso. 

ANA (irônica) 
Não deixe o teu ego te enganar, Clara. (pausa) Não há mediocridade alguma. (pausa) Isso que você está sentindo não é saudade de mim, é solidão sua. Simplesmente isso. Assuma de vez sua egolatria. (Pausa) É só porque você está se sentindo solitária ou anda com a estima meio baixa. Não é muito além disso. 

No meio da última fala de Ana, a imagem está mais próxima. CLARA e ANA estão sentadas, frente a frente, em uma mesa de bar. CLARA [vinte e quatro anos, morena, cabelos médios castanhos claros] está apoiada com as duas mãos na mesa, enquanto Ana [vinte e dois anos, branca, cabelos longos e pretos] está completamente recuada, fumando um cigarro, encostada na cadeira, observando a amiga com um olhar blasé. Há uma garrafa de vinho barato e dois copos entre elas. 

CLARA 
E como sempre aconteceu com a gente, você primeiro me manda embora, depois se arrepende e se desculpa. (pausa) Tenho certeza que você vai se arrepender. Certeza, certeza. Eu te conheço, putinha, como a palma da minha mão. (pausa) E um dia, se alguém tivesse que desistir por nós duas, desculpa Ana, mas essa pessoa seria eu. 

ANA 
Sinceramente, se seria você ou eu pouco me importa. Você ultimamente só anda falando merda, eu particularmente tenho outra teoria sobre nós duas (pausa – sussurrando no ouvido a partir desse ponto – não dá para ouvir). 

Ana termina de sussurrar no ouvido de Clara, encosta vagarosamente seus lábios na bochecha dela, termina de beber o seu copo, apaga o cigarro, se levanta, ajeita sua bolsa e o pano enrolado no pescoço e sai andando em direção a saída. Clara permanece parada. 

FADE OUT 

“VIOLETA BLUES” 

FADE IN 

CENA 2 – EXT. BOTECO NO CENTRO DO RECIFE – FIM DE TARDE 
Continua a cena de Ana andando para saída do estabelecimento, que fica por trás de um antigo casarão. Seus passos são contidos e frios. Ela entra em um corredor no sentindo contrário ao da mesa onde Clara permanece sentada. 

CENA 3 – INT. CORREDOR NO FUNDO DO BOTECO – FIM DE TARDE 
Trata-se de um longo corredor de paredes vermelhas. Em toda sua extensão existe cerca de seis pequenas mesas, cada qual com um abajur em cima ligado ou um jarro de flores. Ana anda com certa indiferença no rosto. Há alguns quadros quaisquer no início. Ana cruza com cinco hare krsnas, homens e mulheres, pulando e dançando no sentido contrário ao que ela caminha. Alguns estão de mãos dadas, rindo bastante, seguindo um que vai à frente tocando uma flauta. Há um clima surreal no lugar. Logo em seguida, ela nota algumas pessoas nuas encostadas na parede, de maneiras completamente diferentes, algumas de frente, outras de costas, de cabeça para baixo, como se estivessem grudadas, enquanto ao lado passa um anão batendo dois pratos de bateria. Ana continua andando, mantendo total indiferença e entra numa porta no final do corredor. 

CENA 4 – INT. BANHEIRO - FIM DE TARDE 
Ana entra no banheiro e se olha no espelho com certa expressão blasé. Porém, sua face muda lentamente até ela sufocar o choro, mantendo uma de suas mãos contra a boca. Em seguida, Ana pega uma tesoura e corta, bem curtinhos, seus longos cabelos pretos num só corte. Ela pega os cabelos cortados e arremessa no lixo com certa raiva. Lava o rosto, tirando a maquiagem e abre um sorriso quase infantil. Despe-se na seqüência e pega uma camisola branca jogada no chão e novamente se olha no espelho. Já não parece a mesma. Alguém bate na porta. 

ANA 
Já tô saindo, já tô saindo. 

Ana abre a porta e sai. 

CENA 5 – INT SALA DE APARTAMENTO / BANHEIRO – NOITE 
Ana entra no aposento apenas de camisola. Clara está sentada num sofá fumando um cigarro. Por trás delas existe uma parede, onde estão pregados vários sapatos altos que servem de jarro para plantas e flores. Ana se aproxima de Clara, cheira o pescoço da amiga num gesto carinhoso e lhe toma o cigarro. Dá dois tragos e o devolve diretamente na boca, alisando o seu rosto na seqüência. As duas dividem o cigarro e trocam algumas carícias fraternais, quase sexuais. 

CLARA 
Vai, eu começo. 

ANA 
E o que vai ser? 

CLARA 
Eu quero ver você tomando banho. 

Ana abre um sorriso ainda infantil, levanta-se e caminha até a porta do banheiro. Entra, deixa a porta aberta, tira a camisola e liga o chuveiro. Clara senta na porta do banheiro, também de camisola branca, observando a amiga enquanto fuma um cigarro. Permanece assim por algum tempo. A campainha toca. Clara se levanta e atende a porta. Ana entra de cabelos não tão curtos e com roupas normais empurra agressivamente Clara até a parede. 

ANA 
Se você quer me deixar louca, você vai conseguir, ta entendendo? Vai conseguir. 

Ana empurra Clara na parede com toda força possível e sai do apartamento. Clara a segue apenas de camisola

CENA 6 – CORREDOR – FIM DE TARDE 
Novamente o corredor vermelho com abajures sobre as mesas. Ana sumiu. Clara anda até a metade do aposento e encontra uma mulher nua. Outra mulher aparece atrás dela e tira sua camisola lentamente. Ela vira para trás, mas permanece indiferente. A mulher que estava na frente (e agora está atrás) começa ajudá-la a colocar um vestido, enquanto a outra ajuda na maquiagem. Uma terceira mulher aparece com uma bolsa, tira um cigarro dela, coloca na boca de Clara e o acende. Em seguida, entrega a bolsa à mulher. Todos os atos são acompanhados de gestos sensuais. Clara está pronta. Ela anda até o fim do corredor e abre uma porta. 

CENA 7 – BAR UNDERGROUND - NOITE 
Trata-se de um bar pequeno e fechado, quase que completamente escuro. No fundo apenas uma luz vermelha sobre uma mulher, que canta CABARET, tango interpretado por Elis Regina. Há algumas mesas com abajures em meia luz. Clara senta na mesa em que Ana já estava sentada. As duas se olham com certa frieza. As pessoas conversam, mas as duas permanecem sem interagir muito. Apenas se olham. Aos poucos as pessoas se levantam e vão saindo da mesa, se despedindo de todos (na verdade, apenas Clara, Ana e a cantora ficam focadas nessa cena. Todos os outros personagens ficam borrados, como vultos). Restam, por fim, apenas as duas mulheres. Clara se levanta anda até Ana e lhe dá um lento beijo na bochecha (igual ao que Ana deu ao se despedir na primeira cena). 

ANA (voz falhando) 
Porque você me deixou? 

CLARA 
Não, Ana, eu só me atrasei um pouquinho. 

Clara leva a mão até o ouvido da outra mulher, sussurra algo e sai. Ana fica sozinha, ouvindo a música, desolada e bebendo em seu copo. Ao terminar sua bebida, se dirige até a porta. 

CENA 8 – INT. QUARTO DE ANA - NOITE 
Ana entra no quarto, tira a roupa, coloca uma camisola e se deita na cama de casal. Clara está deitada ao seu lado. Ficam deitadas se encarando. Não trocam nenhuma palavra, nem se tocam. Apenas olham por um bom tempo. 

ANA 
É uma pena que você NÃO esteja aqui comigo. 

Ana tenta colocar a mão vagarosamente no rosto de Clara, mas essa balança a cabeça negativamente, ainda que mantenha uma expressão graciosa. Permanecem se encarando. 

ANA 
É uma pena. 

Clara se levanta e sai do quarto. 

CENA 9 - INT. SALA DO APTO / BANHEIRO – NOITE. 
Clara entra no aposento apenas de camisola, acende um cigarro, bate na porta do banheiro e senta no sofá. 

ANA (off) 
Já to saindo, já to saindo. 

Ana entra no aposento apenas de camisola. Clara acabara de sentar no sofá fumando um cigarro. Por trás delas existe uma parede, onde estão pregados vários sapatos que servem de jarro para plantas e flores. Ana se aproxima de Clara, cheira o pescoço da amiga num gesto carinhoso e lhe toma o cigarro. Dá dois tragos e o devolve diretamente na boca, alisando o seu rosto na seqüência. As duas dividem o cigarro e trocam alguns carinhos fraternais, quase que sexuais. 

CLARA 
Vai, eu começo. 

ANA 
E o que vai ser? 

CLARA 
Eu quero ver você tomando banho. 


Ana abre um sorriso ainda infantil, levanta-se e caminha até a porta do banheiro. Entra, deixa a porta aberta, tira a camisola e liga o chuveiro. Clara senta na porta do banheiro, também de camisola branca, observando a amiga enquanto fuma um cigarro. Permanece assim por algum tempo. 

ANA 
Eu também quero pedir. 

CLARA 
E o que vai ser? 

ANA 
Eu quero ver você se masturbando para mim daí. 

Clara sorri. Ana continua debaixo do chuveiro ligado, olhando com uma expressão de desejo para a amiga. Ela desliga o chuveiro e então se pode ouvir os gemidos de Clara. Ana anda até a porta e bate com força. Olha-se no espelho e sufoca o choro novamente. Tira a camisola, coloca a mesma roupa que estava na primeira cena, se maquia e sai novamente no corredor. 

CENA 10 – INT. CORREDOR BOTECO NO CENTRO - FIM DE TARDE 
Trata-se de um longo corredor de paredes vermelhas. Em toda sua extensão existe cerca de seis pequenas mesas, cada qual com um abajur em cima ligado e um jarro de flores ao lado. Ana anda normalmente ate o fim do corredor em direção a mesa onde estava sentada. 

CENA 12 – EXT. BOTECO NO CENTRO DO RECIFE – FIM DE TARDE 
Ana volta ao bar e senta na mesma mesa onde estava sentada na primeira cena. Ela olha em volta e não vê Clara. Encosta lentamente a cabeça na mesa e estica o braço. 

ANA (VOZ EM OFF) 
Você deveria saber que eu iria voltar.

Ela continua sentada na mesa sozinha.

FADE OUT

CRÉDITOS

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Absurdo

Hoje uma pessoa me parou na rua do lazer para me perguntar se eu fazia engenharia civil.

Que?

A cada dia fico mais chocado com o que as pessoas pensam de mim.