sábado, 25 de agosto de 2007

Entrevista: Kleber Mendonça Filho

(Entrevista concedida no começo de 2005, para cadeira de Técnica de Entrevista e Reportagem, ministrada por Paulo Cunha. Dêem um longo desconto para a pontuação da entrevista: fiquei com preguiça de revisar; e um longo desconto para as minhas ingenuidades iniciais: aprendera a mentir, mas não tinha nem completado 20 anos).

A entrevista já estava marcada: teria de entrar ou entrar na última sala do primeiro andar da Fundação Joaquim Nabuco. Não havia mais escolha; minha timidez já havia atrasado todo o processo o quanto pode. Ou eu entrava ou eu entrava. Até que existia a opção do professor me reprovar por antecipação após o recesso, mas eu já havia decidido que uma entrevista não poderia ser tão dolorosa. Agora só faltava passar por uma velha porta com o emblema do ‘proibido fumar’, passar por um monte de desculpas e obstáculos inexistentes que eu mesmo criava. E criava. E criava. Talvez precisasse apenas de um cigarro. Talvez dois. De qualquer maneira havia esquecido meu isqueiro. Bati três ou quatro vezes no emblema, quase sem força, na esperança que ninguém me escutasse. Poderia ali mesmo arranjar mais uma desculpa. Entretanto, não demorou muito até a porta se abrir.

Já dentro do aposento, uma mistura de encanto e medo tomou conta dos meus olhos ao ver todos aqueles pôsteres, distribuídos de maneira irregular: de filmes que assistira inúmeras vezes aos que sequer conhecia pelo nome. Aquilo me pareceu grandioso e distante, em um segundo e familiar e seguro, no segundo seguinte. A sala era pequena e agradável: definitivamente um bom lugar para trabalhar. Kleber estava sentado numa mesa, ao canto, de olho em um computador. Ofereceu-me um lugar em voz baixa; pediu dois minutos. Sentei ao seu lado e percebi que ele estava navegando no ‘orkut’, enquanto conversava no ‘msn’. Subiu na cabeça aquela confortável impressão de que não estávamos tão distantes. E talvez não estivéssemos mesmo.

A entrevista já estava prestes a começar, quando o gravador resolveu dar um pequeno problema nonsense. Era tudo o que precisava: um elemento-surpresa àquela altura do meu drama. Tentei arrumar uma solução, troquei as pilhas, mudei a fita, mas parecia não ter jeito. O projeto-de-jornalista-aqui teria de copiar na mão ou levar a entrevista no sentimento. E justamente a primeira entrevista. Foi então que o gravador voltou ao normal. Inesperadamente, para falar a verdade. Talvez essa só tenha sido mais uma desculpa temporária. Kleber estava ao meu lado. Era meu primeiro entrevistado, ainda que a palavra ‘entrevista’ carregue um tom formal, que eu queria logo descartar. E bem o fiz durante as quase duas horas de conversa. Duas horas, além das hilárias conversas em off – destaque para os comentários sobre filmes pornôs pernambucanos.

Era meu primeiro entrevistado e estava na minha frente um rapaz, de 36 anos, e seu trabalho em três âmbitos do Cinema Pernambucano: fazendo seus próprios filmes, programando o Cinema da Fundação e escrevendo crítica sobre películas num dos maiores jornais do Estado (Jornal do Commercio). Este último o foco principal da cruzada. Kleber, formado em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é um exemplo da velha história de quem queria fazer cinema e acabou se formando em jornalismo. É; realmente não estamos tão distantes.



RA - Como você desenvolveu a sua formação como crítico cinematográfico?

KMF - Eu tive um período muito importante na minha formação, período esse que está ligado aos quatro anos que morei na Inglaterra. Minha mãe foi fazer doutorado como historiadora e eu fui como filho dela. Morei lá dos 13 aos 18 anos. Foi um tempo importante lendo, indo a cineclubes em Londres, assistindo a TV britânica - a melhor do mundo na época e fonte inesgotável de cinema do mundo inteiro. Esse tempo também me cedeu o inglês, que é uma língua importante para abrir caminhos e descobrir coisas, conhecer gente. Lá eu tive acesso a um material muito bom e à muita informação. Mas, de fato, eu não tive uma formação, digamos formal ou acadêmica, não fiz um trabalho de mestrado ou algo assim. O que eu posso dizer é que eu sempre, desde criança, gostei muito de cinema, sempre me coloquei em muito contato com o cinema. Aqui em Recife, quando voltei da Inglaterra, não tinha exatamente (e não tem ainda) escola de cinema, mas o mais próximo de tal era a escola de comunicação. Então terminei por fazer jornalismo, pois me colocaria mais próximo do que eu queria. De fato, dentro da universidade eu sempre me puxava, me levava mais pro lado do cinema e além disso, comecei a produzir vídeos e pequenos filmes, utilizando equipamentos da universidade. Aliás é algo que eu recomendo pra todos os alunos: usem a universidade o máximo que vocês puderem. E uma vez formado em jornalismo (1992), eu não conseguia me ver exatamente como jornalista, porque mais uma vez eu só conseguia pensar em trabalhar em algo relacionado a cinema.

RA - Você falou de como foi a sua formação, mas você teria uma opinião de como deveria ser ‘a’ formação do crítico de cinema?

KMF - Para tentar entender os filmes, entender o mundo em geral (filmes são reflexos do mundo) é necessário ler muito e ver muita coisa, o que lhe fornece uma visão expandida do ser humano, da sociedade e de como a arte reflete esses dois elementos. Para entender o cinema como antena do mundo, é essencial ter uma idéia saudável do seu alcance, da sua historia e de suas possibilidades, ainda mais no nosso presente, pois vivemos uma época importante (e, ao mesmo tempo, confusa) na produção de imagens. Acho também que há um estranho fenômeno, uma vez que as imagens nunca foram tão facilmente disponíveis como hoje. Talvez por isso eu sinta lacunas na formação "cinéfila" de muita gente jovem, quando pensaria que atualmente uma formação de cinema como bagagem de vida seria mais fluente, mais fácil. Pode ser o excesso de tudo que explicaria isso, criando uma confusão e uma sobrecarga. Nos anos que passei na Inglaterra, a exposição que recebi me parecia mais organizada da que recebo hoje. Filmes nos cinemas, na TV e em vídeo. Hoje, tenho 13 canais de filmes em casa, recebo DVDs, fitas e CDs gravados de amigos com filmes baixados da net. O Recife tem 42 salas de cinema contra as 11 da época em que voltei a morar no Brasil, recebo e-mails com curtas ‘atachados’ de gente que quer me mostrar trabalhos e, às vezes, me pergunto se os olhos e os sentidos não vão ficar dormentes. No final, acho que os olhos podem ficar dormentes, mas creio que estamos sempre prontos para nos emocionar e sentir coisas boas a partir de uma seqüência de imagens.

RA - E dentro da Universidade, você via que a academia te capacitaria para ser um crítico de cinema ou um possível cineasta?

KMF - Não. Com certeza não capacitaria. Isso era algo por fora. A universidade é um ambiente muito fértil para você conhecer pessoas. Inevitavelmente você terá professores que vão deixar uma marca. É claro que a grande maioria dos professores não vai deixar marca alguma e você vai preferir esquecê-los, mas existem alguns e isso é fatal, alguns que vão deixar alguma coisa, colocar uma coisa boa na sua cabeça. Lá dentro, você conhece pessoas, faz amigos e meio que entra no clima de tentar fazer o que você quer fazer. Se você quiser fazer alguma coisa, porque se você não quiser fazer nada é possível passar quatro, oito, doze anos na universidade e não fazer nada também. Isso depende muito de cada um. Mas na minha experiência pessoal, eu conheci pessoas boas, eu conheci poucos professores muito bons – que para mim já foi o suficiente – e eu utilizei a máquina da universidade para fazer coisas. Então, para mim foi produtivo. Mas de fato, nada relacionado especificamente com a área de crítica de cinema. Claro que o pensamento cinematográfico existe dentro da Universidade, em especial na área de comunicação, onde muitas pessoas adoram ir ao cinema. Estão sempre exercitando opiniões, impressões e produzindo muita conversa boa. Também depende da turma, a minha especificamente era uma turma muito interessante. E depois que se passam os anos, você sempre lembra dos filmes que você viu durante a Universidade. Então, nesse sentido pode ser bom; eu não estou dizendo que é bom para todo mundo, mas se você conseguir fazer a coisa ficar boa e produtiva pode ser que funcione bem. Eu também acredito que a universidade pode ser absolutamente inútil para várias pessoas, em alguns momentos eu achei que ela seria ou que ela estaria sendo inútil para mim também, mas hoje eu tenho uma visão um pouco mais positiva do que aconteceu durante meus quatro anos de estadia por lá.

RA – Você já tocou de leve nesse assunto, mas de qualquer forma acho melhor aprofundar um pouco mais. Como você entrou propriamente no mercado de trabalho?

KMF - Eu fiz um curso com Alexandre Figueroa, em 1991, onde nos conhecemos e na época ele era o crítico de cinema do Jornal do Commercio. Eu acho que ele percebeu uma energia muito grande, uma paixão muito grande minha por cinema e então, pediu para que eu escrevesse uma coisa ou outra. E aos poucos eu fui escrevendo. Já como especial do JC, não sendo uma coisa oficial, nem sendo paga, as pessoas começaram a perceber um certo – não sei – um certo estilo, uma certa vontade de escrever sobre cinema. Foi aí que o próprio jornal me contratou, porque apareceu uma vaga na área de cultura e dentro do jornal é como eu já falei, eu fazia texto sobre cultura local, mas em termos gerais, eu puxava para cinema que é uma coisa natural. Existem muitos estagiários e pessoas que gostam de música ou de artes cênicas ou de cinema e que são colocados na parte de cultura em geral. Aí funciona de que quando aparece algo na sua área, você faz “não, eu vou lá e faço”. Você pode tecer um estilo ou uma marca para que as pessoas reconheçam que esse cara gosta dessa área específica, para que as pessoas passem a identificar você com aquele assunto, com aquela pauta. Depois passei três anos fora do jornal e em seguida, recebi o convite para ser precisamente crítico de cinema pois havia a vaga e o jornal sabia de minha disponibilidade. Já venho escrevendo sem parar há cerca de sete anos.

RA - E como funciona, mais ou menos, a sua rotina?

KMF - Eu estava pensando nisso nos últimos dias, porque eu estou fazendo uma matéria sobre o assunto. A rotina mudou um pouco ao longo dos últimos anos. Quando eu entrei no jornal, o recife tinha uns 10 ou 11 cinemas, hoje tem 42. Naquela época a gente tinha que brigar para que o filme fosse exibido antes da estréia – que é a chamada ‘cabine’. Hoje, as cabines, de uma certa maneira, estão bem profissionais. E eu acho que eu sou um pouco responsável por isso, porque assim da minha entrada no jornal, eu avisei a todas as distribuidoras por fax que o Jornal do Commercio não daria nenhuma matéria de filmes não exibidos para imprensa. E antes, Alexandre não tanto, ele realmente fazia baseado nos filmes que ele assistia, mas em termos gerais, a imprensa local dava capas de release tipo: recebe o material, ninguém viu o filme, capa de um caderno... uma propaganda gratuita. Quando eu entrei existiram esses atritos iniciais. Mas eu sei que hoje, se tiverem 7 filmes estreando na sexta, eu diria que seis tem cabine. Então ás vezes é meio complicado, pq tem cabine segunda 10:30 da manhã e a 1 da tarde; terça 11 da manhã e quarta ao meio-dia. E são cabines, às vezes, de filmes que não era nem para ter a cabine porque tipo... um filme tipo... esqueci um exemplo agora...

RA - Tipo Xuxa e o mistério de alguma coisa.

KMF - É. Tipo ‘Cinderela às avessas’ ou ‘Princesa por um dia 2’. Porque daí você fica numa situação de a menina ligar falando “vai ter cabine de princesa por um dia 2”. Eu não vou dizer que não é para ter cabine desse filme, porque esse filme não me interessa. A gente já brigou muito para ter cabine, só que a gente brigava para ter cabine de filmes importantes, digamos assim. E dá um branco toda vez que tenho de pensar em um nome. Antigamente, esse filme importante entrava batido, não tinha cabine e ninguém fazia nada, produzia nada. Eram esses filmes que nós estávamos precisando ver, mas hoje o sistema ficou tão profissional, que quase todos os filmes estão com cabine. O que eu acho bom, na verdade. Acho interessante porque, de repente, se eu não tenho tempo de ir, vai o estagiário. O estagiário vai lá, vê o filme e a coisa funciona de uma forma bem profissional. Enfim, a rotina básica é composta de uma dieta de 5 a 7 filmes por semana, a maioria deles em cinema, em cabines ou em sessões normais. Ás vezes um ou outro DVD e VHS que também mandam. Tem a questão de você também acompanhar o que está acontecendo na área de cinema. O trabalho não é só relacionado a crítica de cinema em si, embora meu trabalho ultimamente tenha sido muito mais nesse aspecto – mais para a crítica do que para a reportagem. Eu tenho feito algumas entrevistas e muita cobertura de festival – essa, uma área que eu investi muito, desde que eu entrei no jornal. Uma área que não era muito desenvolvida no Recife.

RA - É justamente aquilo que tu falasse sobre os filmes que chegavam sem a imprensa assistir – meio que uma propaganda gratuita. Nos festivais tinha-se só as impressões dos outros. Não havia a própria impressão do jornalista enviado.

KMF – É. E eu queria até saber se isso está sendo discutido na universidade, porque para mim, como alguém que trabalha na mídia, esse é o assunto mais interessante. Hoje a mídia se tornou um monstro fora de controle, onde todas opiniões são iguais, onde todas as informações são iguais. Cito o exemplo do festival de Berlim ano passado, que eu não fui aliás e justamente por não ter ido, entrei na internet para ver alguma coisa sobre o festival. Para ter uma idéia do que eu estava acontecendo. Li um texto de um enviado especial da Folha de São Paulo sobre a noite anterior do festival, em seguida li o texto da FP – uma agência de notícias internacional – e, por último, li um texto de um site americano. Todos os textos, tirando a ordem dos parágrafos, as palavras e o idioma, eram absolutamente idênticos. É como se você tivesse mandado uma sonda pra Berlim, instalado ela dentro do cinema e essa sonda, com um programa especial de escrever matéria jornalística, tenha escrito a mesma coisa que foi distribuído para todos. Eu acho muito interessante, porque, cada vez mais, a mídia celebra o não-pessoal. Está claro que o pessoal está sendo rechaçado, sendo expulso cada vez mais. Existe uma mídia onde tudo é uniformizado, onde as opiniões... aliás, onde nem opinião tem, na verdade. Eu estava falando com uma menina muito legal da Folha de São Paulo, que estava no Festival de Brasília e aí ela me explicou que a orientação do trabalho dela em Brasília é absolutamente nenhuma opinião. Apenas dizer o que aconteceu. Ou seja, como você vai para um festival onde são exibidos 3 ou 4 filmes por noite e não pode dar nenhuma idéia, nenhuma opinião pessoal de como aquele material funciona? Do que aquele material é e do que ele não é. Eu sei o que aconteceu na noite passada, porque tava na programação. O resto é dizer se tinham 1200 ou tinham 700 pessoas. Então, estou, cada vez mais, investindo num estilo bem pessoal e que a pessoa entenda que eu estava lá e que eu tenho uma opinião sobre aquilo que eu vi.

RA - Como é o processo de produção da crítica em si?

KMF – No início era um parto. Cada texto era uma coisa de mais ou menos cinco horas. Mas hoje não; hoje estou mais rápido e eu acho que é uma questão de prática. Acho também que tem ligação com a forma do filme conversar com você. Tem filmes que levam um tempo para acontecer dentro da sua cabeça, o que é muito perigoso porque o jornal preza pela velocidade. Um exemplo do ano passado: teve uma cabine de ’21 gramas’, 1 da tarde da quinta-feira. A matéria teria de sair na sexta e a edição fechava as 4:30, o filme tem cerca de duas horas e vinte. Eu vi o filme, aquele filme meio fragmentado, meio pesado e saí do cinema meio “não sei, acho que não gostei desse filme, mas não tenho certeza”. Eu escrevi uma crítica meio em cima do muro, que é a pior coisa que você pode fazer e quando era dez da noite eu “putz não gostei desse filme mesmo”. Eu entendi que não tinha gostado do filme. Então é uma coisa, às vezes, complicada. Mas têm outros como ‘O grito’, que é aquilo de sempre. É interessante ou não, é ruim ou é bom mas você já sabe o que é. Fica mais fácil de escrever.

Dentro desse trabalho, uma coisa muito importante é você tentar passar para as pessoas, o amor que você tem pelo filme ou pelos filmes. Ou tentar mostrar para as pessoas que esse filme é relevante para elas, que esse filme vai trazer alguma coisa importante para elas. Eu acho que o papel da critica é o de mostrar uma certa possibilidade de ver um filme e de você mostrar algo, que talvez você não se daria conta. Então, um trabalho bem interessante é o de você indicar filmes, que, muitas vezes, não seriam vistos e fazer um trabalho de quase seleção: apontar “dê uma olhada nisso aqui, que isso aqui é muito bom”.

RA - Coisa que o Cinema da Fundação faz.

KMF - A fundação faz isso e eu fico feliz de ter um trabalho também relacionado com programação, porque é muito fácil encher uma sala com Senhor dos Anéis – não julgando a qualidade ou não do filme – mas ele vem embalado numa estrutura gigantesca que você, de repente, vai ver um filme sem nem saber porque foi. Quando você vê já está lá diante da tela. Se você lê uma crítica que lhe convença, que faz você dizer “onde está passando esse filme interessante? Lula Cardoso Aires lá em Piedade? eu acho que vou ver esse filme” é isso que eu acho importante. Entender que aquele filme é importante, você nunca ouviu falar desse filme mas sabe ou desconfia, que ele vai ter uma coisa para te falar ou vai trazer alguma coisa para você. E no caso de Senhor dos Anéis, é preciso entender o porque daquilo ser tão bem sucedido. Porque é tão bem sucedido? Porque ele usa parábolas cristãs ou porque ele mexe com imagens que talvez sejam religiosas ou porque ele tem muito dinheiro? Tudo isso também é interessante de analisar. Nada você desperdiça. De fato, eu me pergunto o que eu tenho para acrescentar, escrevendo sobre o novo Harry Potter, por exemplo. O que eu tenho para acrescentar? Eu deveria estar escrevendo isso aqui? Essa crítica está saindo em 8.000 jornais, hoje, no mundo inteiro. Não vai fazer diferença nenhuma. As pessoas vão ver o filme do mesmo jeito. E, às vezes, eu não tenho nada pra falar sobre um determinado filme. Faz parte do trabalho. Talvez saia algo diferente, mas é provável que saiam 8.000 textos bem parecidos de pessoas diferentes no mundo inteiro, porque não tem muito o que falar desse filme. Bate um desânimo, mas, de qualquer maneira, faz parte do trabalho e eu vou tentar escrever da melhor forma possível.

RA – Você falou que queria fazer escola de cinema, ser cineasta e não crítico.

KMF - Ah não. Crítico dá dinheiro (irônico). Para o crítico ‘pagam alguma coisa’ e cinema ninguém recebe mensalmente por ser cineasta. Mas como eu adoro escrever e adoro cinema era natural ser crítico de cinema. Faz mais lógica do que trabalhar no Itaú e ser cineasta. Mas eu sempre pensei em fazer filme mesmo. E hoje eu estou particularmente feliz, estou passando por uma fase feliz, digamos assim, onde ao mesmo tempo estou sendo crítico e produzindo minhas coisas.

RA – Você trabalha em três âmbitos do cinema: fazendo filmes, programando filmes e escrevendo sobre eles. Como se dá a relação desses meios na tua experiência pessoal?

KMF - É totalmente cinema e eu gosto disso. Acho bem interessante. É uma coisa que, às vezes, se torna um pouco complicada, porque esses meios estão entranhados um com o outro. Alguém pode questionar “como é que ele escreve sobre um filme que está passando na fundação, que ele próprio programou?”. É uma pergunta bem difícil, mas pode-se dizer que não é um cinema comercial. Nós temos uma programação muito especial, são filmes especiais. De fato, os filmes que passam em 6 anos de exibição com 3 ou 4 exceções - o que é pouco em 500 ou 600 filmes - eram filmes que ou eu não gostava ou o que o Luís não gostava. E eu escrevi criticas negativas, o que resultou ser chamado pela diretora para perguntar o porque daquilo. Eu simplesmente disse que não tinha gostado do filme. As pessoas vêm aqui no cinema e concordam ou não com aquilo que eu escrevi. Eu tenho exemplos de pessoas que concordam e que de fato vieram porque leram no jornal. Talvez isso seja questionável.

RA - Deve ser ótima a sensação de alguém chegar para conversar com você, sobre o texto que você escreveu.

KMF - É muito bom, muito bom mesmo. As pessoas batem nessa porta ou me pegam na entrada do cinema. Dava pra fazer um filme, nesse cinema, porque tem tantos tipos engraçados, inusitados que costumam freqüenta-lo.

RA - E você como cineasta. Como é a sua relação com a crítica?

Agora eu estou com um filme, que passou por uma prova de fogo em Brasília e ganhou justamente o prêmio da critica. O que eu achei bizarro, mas eu estava consciente de que eu podia abrir o jornal no outro dia e lê alguém destruindo meu filme. Você como cineasta pode ler quatro tipos de criticas dividas em dois grupos: as positivas e as negativas. A crítica pode ser totalmente positiva e você achar a critica uma merda – esse cara é um idiota, não entendeu nada do meu filme e deus sabe porque ele gostou. Tem a outra critica positiva que é a do cara que entendeu tudo e escreveu uma critica maravilhosa pro filme e a mesma coisa pra critica negativa. Ou você pensa esse cara não tem nada na cabeça ou você lê e vê q ele está certo ou que tem um ponto de vista interessante. Um idiota que escreve mal sobre seu filme ou o inteligente e sensível que escreve mal sobre seu filme, podem lhe prejudicar, sua carreira, seu filme. Pode ser um problema para você. Imagine um rapaz, que produz um filme pequeno e o filme não tem verba de divulgação e depende mais das críticas e tal aí tem críticas bem negativas que basicamente dizem para as pessoas que ‘fiquem em casa e não assistam a esse filme’, que aliás é uma frase que eu nunca usei nem nunca vou usar. Eu fico constrangido quando alguém chega pra você e diz “ainda bem que eu li antes de ver o filme porque eu economizei R$ 14 reais” e eu “não, você tem que ver o filme, aquilo é só uma opinião minha, eu não sou guia de consumo, não sou consultor de onde você colocará seu dinheiro eu escrevi aquilo mas você tem que vê o filme...”

RA - Tomar a crítica como a verdade e não com uma opinião

KMF - Ao menos aqui em Recife não tem uma coisa que tem no Rio que é muito séria. No Rio de Janeiro tem um bonequinho (e isso é sério porque as pessoas não lêem a crítica que já é pequena), as pessoas olham para o bonequinho e se ele está batendo palmas ou sentado normalmente ou dormindo, elas decidem que filme vão assistir a partir disso.

RA - Como as estrelinhas

KMF – As estrelinhas já são do mal, mas o bonequinho é um sistema muito cruel, tem um gráfico muito bem feito, que chama muita atenção. Eu já vi gente no Rio olhando as 12 salas do mutiplex, decidindo pelo que o bonequinho apontava. Isso é terrível porque eu sei que o cinema fala para cada um, embora eu fique horrorizado com alguns comentários que os leitores deixam no JC online. Comentários sobre os filmes. Tipo ‘Dança Comigo’ que eu acho que foi a pior coisa que eu vi ano passado com Richard Gere e Jennifer Lopes. Tinham vários comentários do tipo “o filme é lindo”, “é maravilhoso”, “fui com a minha gata e foi massa” ou “Jennifer Lopez é uma g-a-t-a”

RA – (Risos)

KMF – (Risos) ‘Fiquem em casa e não assistam a esse filme’ – ainda assim, essa é uma frase que eu nunca usei, nem nunca vou usar.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

domingo, 12 de agosto de 2007

10

Carol é assim: nas segundas, quartas e sextas ela inventa um novo orkut para deletá-los nas terças, quintas e sábados. E faz da criação ou destruição, atos convictos.

Mas não se enganem com tão pouco, pois Carol, na verdade, é como uma ressaca de domingo: olhos profundos diante de um dia indecifrável.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007