segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Competitiva Internacional

(Publicado originalmente no Janela Crítica)

Se os curtas do programa 'O Amor, o Sexo e outras Estréias' intentam delinear emoção a partir do carisma ingênuo (ou de aparência ingênua) de suas personagens, as acompanhando por dentro de uma série de experiências primeiras (ou supostamente primeiras) – que ora envolvem sexo, ora drogas, ora lições de violão – podemos dizer que '1 + 1 nem sempre é 2', outro programa da mostra competitiva internacional, se sustenta na aberta busca de gerar – o que de tão aberto se torna engessado – expectativas, inclusive as falsas, no espectador. No primeiro programa é compreensível a comoção pela beleza fácil da ingenuidade e pelo brotar desajeitado da experiência, principalmente se nos apoiarmos numa tentadora sede nostálgica. Entretanto, para os que gostam de Haneke, Greenaway ou Cronenberg nas horas vagas, o cheiro transbordante de virgindade desse apanhado de produções (e que os indies adoram) soa simplesmente bobo, inocente, não saudoso. Falta um pouco de perversão.

À exceção do israelense, Isca, de Michal Vinik que se beneficia de uma diegese ambígua e uma possível inversão de valores (serão as meninas-moças, na verdade, ninfomaníacas em dia de caça?), todos os outros caem na moral recorrente do super fofo vencendo a perversão baixo astral. É uma seleção de produtos tecnicamente bem realizados, mas excessivamente limpos, o que repetido curta após curta se torna cansativo. O símbolo dessa limpeza se resume no islandês Dois Pássaros, de Rúnar Rúnarsson, na cena em que o branco garoto tímido do bem tira a roupa pra deitar na cama onde está, também nua, a branca garota tímida do bem – que tinha sido estuprada, quando estava desacordada, por dois homens 'repugnantes' – para, quando ela despertasse, se sentisse confortável e achasse que foi com ele, o garoto tímido do bem, que ela perdera a virgindade. É bonitinho, convenhamos, mas não passa do ordinário.

No caso do outro programa temos um problema ainda maior, pois se a expectativa gerada se quebra no momento errado, o filme também desmorona. Isso pode se dar de várias formas. Pode acontecer, por exemplo, colocando o nome do curta de O Beijo, ser francês e nos mostrar dois jovens, sentados lado a lado numa cama, com ele falando e ela escutando sem interesse, rindo sem jeito, até que fica uma pretensa angústia no ar e finalmente ela o beija. Mesmo feito em plano sequência, com atores regulares, a quebra da expectativa pelo óbvio fica muito distante do sentimento hitchcockiano de saber exatamente o que vai acontecer e ficar ainda mais atônito para ver acontecer. Não ficamos atônitos, talvez indiferentes. Ainda mais fraco é o mexicano En Tránsito que conseguiu a façanha de reunir, em 21 minutos, todos os clichês de uma leva do cinema contemporâneo. Soa quase como uma aula: temos dois flâneurs, um encontro numa fila, o segundo encontro pelo acaso, a efemeridade das relações, uma idéia de mobilidade na cidade e para fora dela, a relação fraternal que se estabelece e a despedida suplantando a aproximação. O curta parece parasitar em premissas que já foram levadas ao ápice por Lost in Translation, de Sofia Coppola e Amores Expressos e Felizes Juntos, de Wong Kar-wai, o que nos leva a crer que o problema não está nas premissas ou no acúmulo delas, mas na forma como podem ser e são apropriadas.

Sem dúvida, o curta mais interessante do programa '1 +1 Nem sempre é 2' – e um dos mais fortes de todo festival – é o sueco A História do Pequeno Puppetboy, dirigido por Johannes Nyholm, que se sustenta numa técnica assumidamente tosca de animação com massinha de modelar, para nos contar – em capítulos apresentados pelo próprio puppetboy – a história de um garoto extremamente solitário e as consequências da visita de um estranho ser feminino, que imageticamente remete a uma prostituta velha ou uma daquelas secretárias chatas de colégio. O curta é hilário e tem a melhor das relações com a construção (desconstrução) de expectativas: pra começar, ao invés de levá-las rigidamente a sério, bebe e se lambuza no non sense e na ironia, criando saídas criativas e completamente inesperadas. O interessante é perceber que mesmo revendo, a expectativa continua funcionando por conta do senso de humor, algo que para outros do mesmo programa não acontece – e fazendo referência ao amor, o sexo e outras estréias – nem pela primeira vez. What a shame, Brian.

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