quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Super 8


(Publicado originalmente no Janela Crítica)

A prova básica da inexistência de uma política pública de preservação e de uma vivência compartilhada do esquecimento de nossa história no âmbito cultural - e que obviamente se reflete e se legitima em outros âmbitos - é o desaparecimento e deterioração de boa parte, melhor dizendo, da maior parte dos curtas pernambucanos em Super 8. O que nos chega é por méritos pessoais de um ou outro realizador ou colecionador mais cauteloso. Movimento sem pretensões revolucionárias e vinculado a nomes como Fernando Spencer, Jomard Muniz de Britto, Paulo Bruscky, Osman Godoy, Geneton Moraes Neto, Kátia Mesel, Félix Filho, Celso Marconi, Paulo Cunha, Lima, entre outros, o Super 8, segundo Alexandre Figueirôa, realizou durante a década de 70 até o início da década seguinte "o registro poético do nosso imaginário cotidiano" se aproveitando de câmeras que "deveriam ser apenas cinema doméstico a ser usado pelas famílias abastadas no registro de suas festas e passeios". Uma comparação com as câmeras digitais - e a re-significação que elas deram ao processo produtivo do cinema contemporâneo, especialmente em cidades periféricas - não me parece mera coincidência.

Ontem (18/11), voltando para casa depois da sessão especial sobre o movimento em questão, intitulada sagazmente de 'A Cura do ócio dos filhos da classe média' e com destaque* para Cinema Glória (1978), de Fernando Spencer e Félix Filho, Jogos Frutais Frugais (1979), de Jomard Muniz de Brito e o O 13° Trabalho (1973), de Osman Godoy, fiquei pensando como a minha geração (e a geração mais nova) segue uma tendência de acreditar que todos os produtos culturais de todas as épocas de todos os campos estão disponíveis na internet, às vezes estabelecendo uma lógica de crença tão radical que passa a instituir ao que não está online, o status de não existir. O que é uma inversão bem particular, uma confusão dos referentes do virtual e do real. São os deslumbrados por uma premissa que se torna prisão: "se não tem para download, deixo de me interessar, esqueço, vou buscar o que tem e isso me basta". Até entendo essa relação comodista da juventude com a rede, faço parte dela em certa medida, mas ao mesmo tempo, ela lembra uma pergunta que me assombrava demais na infância: se de algum modo você soubesse que existiu, podemos dizer que um dinossauro cujo fóssil nunca foi encontrado ou uma civilização que não deixou registro algum simplesmente não existiu? É uma arapuca argumentativa, um oroboro de idéias. Não há propriamente uma resposta, mas, pelo menos, não questionemos a pergunta, pois foi a partir dela e da sala de cinema relativamente vazia ontem que, de alguma forma, lamentei pelos curtas em Super 8 existirem e não existirem.

Cansado e intrigado com tais questionamentos de fim de noite, decidi entrar em contato com alguém do mestrado, talvez a própria Ângela Prysthon, para o mais rápido possível pegar todos os filmes do Jomard Muniz de Britto e jogar tudo na internet. Seria o primeiro pela facilidade. Como sou minimamente cauteloso, antes de mandar alguns e-mails, pedir alguns telefones e me meter em tremendas confusões, resolvi fazer uma pesquisa básica no google e descobri que alguém já havia concretizado minha ideia há cerca de dois anos: Ricardo Maia, também mestrando em comunicação cuja dissertação tratava justamente do famigerado tropicalista. Tudo bem que ele colocou no youtube e eu estava pensando em colocar no making off, para 'uploadar' um arquivo grande e tentar manter a melhor qualidade de imagem possível – já que o Super 8 é uma bitola sensível e suas imagens já não estão nas melhores condições – de forma que pudéssemos ver em tela cheia e facilitasse a vida de quem, de qualquer lugar, se interessasse por projeções. Vivemos a era da preservação digital individual e a política pública de preservação cultural poderia se espelhar nesse tipo de iniciativa simples para repensar suas diretrizes burocráticas. Quanto custaria colocar o acervo sobrevivente das produções pernambucanas em Super 8, com a devida preocupação, na internet? Enquanto alguém não responde, nos contentemos com o youtube e com o myspace.

* Vale destacar também a não exibição de Viva o Outro Mundo (1972), de Kátia Mesel por supostamente a realizadora não ter encontrado o próprio filme e Composições no Fio – Partituras Mutantes (1979), de Paulo Bruscky, por problemas técnicos que geraram ausência de som durante a projeção.

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