sábado, 2 de abril de 2011

Pânico 2 (EUA, 1997), de Wes Craven


(Publicado originalmente no Filmologia)

Não são poucos os jovens cinéfilos, hoje admiradores de Sokurov, Béla Tarr, Jia Zhang-Ke, Suleiman, Pedro Costa, cuja formação cinematográfica é marcada a fundo pela Trilogia Pânico, assinalando a premissa de que o cinema comercial pode impulsionar uma conjunção entre seriedade e diletantismo sem traçar necessariamente uma brusca dicotomia. Os filmes escritos por Kevin Williamson e dirigidos por Wes Craven fundem de maneira astuta humor e terror, sátira, sarcasmo e sustos, e, durante seus respectivos lançamentos, atuaram principalmente no despertar do olhar crítico de um público pré-adolescente e adolescente, na época em que todos usavam camisas três números acima, pelas conexões estabelecidas com outros filmes, atinando para a capacidade da ‘cultura pop’ em apontar, ironizar e homenagear a si mesma – característica marcante de inúmeros seriados norte-americanos. Os diálogos das três produções carregam uma sutil competência só apreendida pelo espectador que possua uma mínima intimidade com o universo audiovisual em questão, se divirta com a imprensa de aspecto carrasco e sensacionalista caricaturada ao extremo por Gale Weathers ou conheça ao menos um dos títulos que deram a Jamie Lee Curtis, no início da década de 80, o emblema de Scream Queen. ‘Entender a piada’ sempre foi um dos fracos da vã glória adolescente de ganhar. Aliás, o próprio princípio dos assassinatos esclarece a moral da história: se você não sabe nada sobre filmes de terror, você morre. Na Trilogia Pânico é necessário ser cinéfilo para sobreviver.

Alguns dos sobreviventes assistiram ao primeiro Pânico (1996) poucos meses antes da estréia da seqüência; estavam no final daqueles benditos anos de busca por todos os filmes de terror das prateleiras, aproveitando um resquício de medo infantil pronto a ser superado. Trata-se do mesmo momento em que alugavam vários VHS de uma vez, juntavam os amigos da rua numa casa sem adultos para se entupirem de refrigerante e pipoca em meio a uma competição de berros. Nesse contexto, Pânico era uma sensação: Wes Craven não só alcançou o mainstream, como conseguiu fabular uma dessas produções que provocam uma epidemia de cópias, você assiste todas, sabe o que aconteceu no verão passado, no retrasado, decora todas as lendas urbanas, passa pela prova final, mas espera verdadeiramente a seqüência do original. Eis que meses depois estreou Pânico 2. Parte dos mesmos jovens foi ao cinema, burlou a censura da idade (14 anos), viveu a tensão do filme mesclada a de ser descoberto, encontrou dezenas de fanáticos com máscaras do ghost face na platéia. Se considerarmos que em toda trajetória artística, a metalinguagem é concebida como um momento de maturidade tanto para quem produz como para quem observa, talvez os que observaram admitiriam não ter vivido semelhante experiência metalingüística antes da citada sessão. A sala que assistia Pânico 2 se assemelhava a da cena inicial do filme, em que um casal vai assistir A Punhalada (Stab), filme-dentro-do-filme baseado nos eventos ocorridos no primeiro Pânico. A euforia confluindo gritos e risadas, um autêntico gozo coletivo, esboçava uma ligação umbilical: a atriz de Stab fica nua, a platéia dentro do filme urra, a sala de cinema acompanha. A diferença é que aqui fora ninguém morreu antes dos créditos finais.

Em Pânico 2, as piadas continuam afiadas, o casal caminha para a sala de cinema, ele se vangloria por ter ganho os ingressos, ela diz que não gosta de filmes de terror, argumenta que do outro lado está em cartaz uma aventura com a Sandra Bullock. Ele prontamente responde: “Nobody wanna pay U$ 7,50 to see some Sandra Bullock shit”. Uma das diferenças básicas da sequência é a ampla aposta no rol de piadas ou referências não apenas a outros filmes de todas as épocas, até Nosferatu entra no circuito ou brincadeiras com os clichês do gênero (“eu sei o que acontece com os negros nesses filmes”), mas no diálogo imbricado com o próprio Pânico predecessor. Temos a continuidade de piadas: Sidney comenta no primeiro que se sua história virasse um filme, do jeito que ela é azarada provavelmente seria interpretada por Tori Spelling. No segundo, aparece Tori Spelling dando entrevista sobre Stab onde interpreta Sidney. Randy, o nerd viciado em filmes de terror, olha a TV e solta com desprezo: “ah, vou esperar o vídeo”. Sempre temos de respeitar quem consegue fazer piadas sobre si mesmo. Além disso, as cenas de A Punhalada – supostamente dirigidas por Robert Rodriguez – não apenas servem ao contexto do segundo filme, como redimensionam qualquer tentativa de retorno ao original. Pânico não é o mesmo depois de Pânico 2: a estrutura como se apontam estimula as possibilidades do olhar diante das possibilidades da narrativa. A mídia sensacionalista presente no primeiro, agora se multiplica, se no original surgiam perguntas geniais como “Sidney, qual a sensação de ser quase brutalmente assassinada? As pessoas querem saber. Elas precisam saber!”, no segundo a jornalista-símbolo é sarcasticamente interrogada: “Gale, como você se sente do outro lado da notícia?”. Sidney já não é a virgem indefesa, tem um novo cabelo, sempre que sorri invariavelmente soa um tanto creepy, sem contar que suas vitórias sobre os assassinos sempre são baseadas em doses de terror. E temos que admitir: é muito bom quando ela dá aquela bofetada na cara de Gale Weathers.

Em termos comparativos, o filme pode ser até mais fraco que o primeiro; de fato não acumula momentos tão inspirados como a morte de Drew Barrymore, porém, até a inferioridade se justifica quase como se fizesse parte do princípio narrativo: numa sala de aula, alunos de cinema travam a velha discussão sobre a recorrência de seqüências serem piores que os originais. Cenas depois, o assassino sem roupa de ghost face comenta que existem os casos de seqüências superiores. Cita O Império Contra-Ataca (1980). Parece defender o próprio filme. O nerd replica: “trilogias não contam”. As regras são novamente explicadas: 1. nas seqüências, o número de cadáveres é sempre maior. 2. As mortes são mais elaboradas e sangrentas. Se no primeiro filme, a existência do celular nos chama a atenção por ser um objeto essencial no desenvolvimento de toda trama, no segundo não deixamos de lado o comentário sobre o local em que os assassinos se conheceram: num ‘website’ de psicopatas. 97 no país inteiro. Uma regra não comentada é como seqüências são bem conhecidas por seus finais: no caso de Pânico 2, quando ambos culpados estão mortos, os mocinhos se perguntam: ‘Ele está morto?’. Respondem: ‘Acho que não, eles nunca morrem’. Perguntam novamente: Ele está morto? Respondem ‘Acho que sim’. O assassino se levanta, leva vários tiros e finalmente morre. Cena irmã do final original, só que desta vez, Sidney vira para o segundo, cuja motivação de matar era ‘boa e oldfashion’, e comenta que eles sempre terminam voltando. Então dá um tiro na testa, “just in case”. Seja como for, a principal regra das seqüências é que as regras do original podem ser subvertidas, ou seja, em Pânico 2 ser cinéfilo já não é condição sine qua non para se salvar.

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