sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Smurfs


Irremediavelmente, mais dia ou menos dia, todos os pais se deixam invadir pela vontade de compartilhar com os filhos suas próprias referências infantis, muitas vezes receosos de que os pequenos não achem seus heróis tão simpáticos, mas certos de que essa partilha materializa um encontro impossível de dois tempos bem distantes. Nesse sentido, o filme Os Smurfs surge como emblema - infelizmente, um falso emblema - desse íntimo ritual que coloca frente a frente “um ser criança no passado” e um “ser criança atualmente”. Criadas pelo ilustrador belga Peyo (Pierre Culliford) em 1958, as criaturas azuis viraram febre no Brasil durante a década de 1980, graças a um desenho exibido diariamente na televisão. Desde então, e pensando a mídia como espaço de registro de nossos próprios ciclos afetivos, habitam o imaginário saudoso dos que já passaram dos trinta.

Acontece que o filme dos Smurfs não é o desenho dos Smurfs que também não são os quadrinhos dos smurfs, a apresentação de uma infância à outra termina por se findar como processo ilusório, afinal não é preciso muito para que até os mais nostálgicos percebam o quanto a projeção na tela grande, a intersemiose balela, não reflete o repertório de suas tenras idades, quase como se estivessem presenciando uma distorção cujos únicos resquícios originais são as personagens. O longa dirigido por Raja Gosnell esquece algumas questões básicas. O desenho não era um sucesso pelos efeitos mirabolantes ou pelo traço moderno, justamente o contrário, era bastante simples, até levemente tosco, mantendo o campo de interesse muito maior nos significados que nos significantes. As aventuras das criaturas azuis que encarnam as distintas e contraditórias características humanas (vaidade, gula, preguiça, etc) ganhava vigor pela a forma como tais elementos se relacionavam entre si e como cada qual, ao seu jeito, conseguia superar obstáculos.

Para início de conversa, a narrativa segue uma fórmula que vem se popularizando em Hollywood nos últimos anos: personagens de desenhos que vivem em universos paralelos são lançados no mundo dos humanos (no caso, Nova Iorque), perpassando as inúmeras piadas clichês do olhar mágico que subitamente encara o mundo real. Alia esse viés cômico com breves cruzamentos metalinguísticos, aproximando diferentes tradições infantis com cenas famosas do imaginário cinematográfico. Daí os Smurfs jogam Guitar Hero e Smurfette banca a Marilyn Monroe de O Pecado Mora ao Lado. Precisamos admitir: o problema não é tanto com os Smurfs, mas sim com os humanos. Nos primeiros minutos ainda há um encantamento, uma semelhança com o desenho, quando vemos a vila de cogumelos, todos trabalhando e cantando, Gargamel planejando sua próxima vilania ou mesmo o gato Cruel engasgando com bolas de pêlo.

No entanto, em seguida, quando Papai Smurf, Gênio, Desastrado, Ranzinza, Smurfette e Valente entram num túnel e caem na cidade grande é como se essa passagem entre universos existisse apenas para pipocar marcas e merchandising nas imagens - Nova Iorque é premissa para propaganda - não tendo qualquer intensidade narrativa. Terminam sendo acolhidos por um casal símbolo do sonho americano politicamente correto, das ambições amenizadas, do universo da competitividade, do marido que vira a noite trabalhando numa campanha publicitária que não acredita. É no mínimo uma ironia, levando em conta que no desenho da década de 1980, os Smurfs viviam num regime sem classes, em roupas uniformizadas, onde toda produção era compartilhada igualmente, o que foi visto por alguns estudiosos na época como uma metáfora de um comunismo bem resolvido.

Nenhum comentário: