sábado, 11 de fevereiro de 2012

Entre a militância e a melancolia


Com o disco Nó na Orelha que liderou várias listas de melhores no cenário nacional em 2011, Criolo, nascido e crescido na periferia paulistana, teve finalmente seu trabalho reconhecido, mesmo com uma carreira iniciada ainda no final década de 1980. Dono de versatilidade vocal e musical, cruzando de maneira elegante ritmos como samba e hip hop, o cantor ganhou destaque pelo tom melancólico de suas letras, mas também por seu engajamento. Passou anos atuando como arte-educador e no campo dos movimentos sociais, sempre lutou por uma distribuição mais justa das oportunidades, bateu o pé contra a homofobia num programa de TV e criticou as ações da polícia na comunidade de Pinheirinho, em São Paulo.

Pela primeira vez no Recife, Criolo se apresentará três vezes durante o Carnaval: participará da abertura (17), no Marco Zero, cantando músicas de Alceu Valença ao lado de outros artistas, subirá no palco do Alto José do Pinho na segunda-feira (20) e encerrará a programação do Rec Beat na terça-feira (21). Conversei pelo telefone com o artista sobre o disco, as expectativas da vinda à cidade e os eventos violentos da história recente do País.

Você conhece Recife? O que está esperando do Carnaval e dos seus shows por aqui?
Não conheço Recife. Uma vez estive em Triunfo, mas na verdade nunca tive oportunidade de viajar e conhecer outras cidades, nunca tive grana, mas agora estou conseguindo por causa da música. No caso do Recife, estou com uma expectativa enorme, todo mundo que cantou por aí, volta e conta a experiência com os olhos brilhando. Como vou passar todos os dias por aí, vou conhecer a comunidade da família do Maurício [percussionista da sua banda] e devo aproveitar para dar uma volta, viver essa festa de rua. Tenho muito respeito pela cidade, pelos mestres que vivem aí e pelo evento do Carnaval, até porque soube que existe no Recife um emblema de aceitar as diferenças como proposta, com palcos montados de forma descentralizada e programação gratuita em várias periferias.

Levando em conta a guinada musical que “Nó na orelha” representou, comenta um pouco sobre o processo de gravação do seu segundo disco.
Eu tinha completado 21 anos de carreira, daí é natural dar um tempo, pensar em mu­dar os rumos e contribuir de outra forma. O “Nó na Orelha” dependeu da presença de ami­gos como Marcelo Cabral e Daniel Ganja­man. A ideia inicial era fazer um registro, pa­ra deixar com minha família, de canções que compus em diferentes épocas, há 10, 15 a­nos ou mesmo recentes, alguns sambas, outros raps. No meio do processo, percebemos que existia alguma coisa ali que merecia ser reunido em outro formato e mostrado a mais gente.

Depois do sucesso do disco, você sentiu pressão para lançar um novo trabalho ou mesmo já vem produzindo canções nesse sentido?
Eu me sinto agradecido pela energia boa que venho recebendo, mas não sinto pressão porque faço música por necessidade, para abrir diálogo, disco é apenas um dos formatos de compartilhar o material. Não faço necessariamente música para disco, isso vem depois, mas essa ansiedade que as pessoas criam é positiva. Só que muitos não sabem é que, apesar de ficarem felizes escutando, sempre que canto revivo a tristeza que me fez compor. E não é suave.

Ainda que você tenha ampliado seu público depois do disco, sua carreira começou há mais de vinte anos. Como foi o começo dessa história?
Aos 11 anos, escutei a palavra rap, vi um colega fazendo verso e achei meio mágico aquele jogo com as frases. Daí fui para casa, fiz igual, depois comecei a compor e essa brincadeira era na verdade uma forma que eu e meus amigos tínhamos de contar e cantar as história do nosso bairro (Grajaú, na Zona Sul de São Paulo). Eu só subi no palco aos 13 anos, no evento de entrega solidária de comida e roupa para a comunidade. Com o passar dos anos, ao envelhecer, entendi que era natural largarmos algumas coisas e ficarmos com outras. De forma que fui largando muita coisa, enquanto a música tomava um espaço cada vez maior na minha vida. Chega uma hora que você admite que não pode deixar algumas paixões de lado.

Você vem ampliando os espaços de apresentação do rap nacional, a exemplo do Rinha de Mc's. Explica um pouco como funciona esse projeto.
O Rinha de MC's nasceu entre 2003 e 2004, a partir desse meu pensamento 'de como podemos contribuir de outras maneiras', basicamente começou com alguns amigos que se juntavam para escutar algumas músicas que apesar de gostarmos tínhamos deixado de escutar há algum tempo. Sempre tive uma simpatia por quem faz "freestyle", eu não tenho esse dom, daí era nossa vontade que os jovens chegassem, criassem seus versos e nesse embate dessem continuidade com seus próprios eventos. Apesar de ser uma batalha de rap, outras atividades também acontecem como grafitti, mas o grande lance é criar um espaço de encontro entre as pessoas, estimulamos a lógica de que precisamos aprender a lutar 'nós por nós mesmos', fomos até convidados para organizar edições em alguns eventos, mas toda nossa negociação gira em torno do fato de que só aceitamos fazer gratuitamente.

No show no Rio de Janeiro na semana passada, você segurou um cartaz fazendo referência ao caso de Pinheirinho. Como você se sente em relação à tragédia?
Não sou cientista político, não sou sociólogo, mas posso falar alguma coisa porque sou cidadão. Fico pensando nas ações que antecedem e que levam a existir esse tipo de coisa. Se há vinte anos, os governos decidissem que toda população tinha direito a educação gratuita, incluindo faculdade, se os governos tivessem apoiado uma distribuição justa da produção de alimentos, será que essas desgraças aconteceriam? É muito fácil falar que o povo é mal educado, mas se formos pensar quem decidiu os rumos da educação, só me resta pensar: quem são os verdadeiros mal educados desse País? Eu me sinto impotente diante de Pinheirinho, a dor que podemos sentir, a dor que eu posso sentir por mais que eu cante, não se compara a dor de quem estava lá e perdeu um ente querido, de quem perdeu o direito de possuir uma casa.

Comentei esse acontecimento porque teve muita repercussão na internet, mas gerou informações desencontradas nos meios de comunicação.
Então, tenho receio das duas situações, primeiro porque algumas pessoas começam a se aproveitar das tragédias para se promover e isso me magoa, pelos shows que estou fazendo em diferentes lugares, sinto que as pessoas querem mudar a realidade que vivem. Tentei até compor alguma coisa, mas a sensação de impotência diante dessa situação e de outras me assola. Vivemos num País que se precisamos de mais energia e algumas tribos estão no caminho, danem-se os índios; se é preciso desenvolver um progresso e o código florestal atrapalha, danem-se os animais. Sempre me pergunto, quando o mundo está assim, “de que adianta fazer uma música”? Não vai trazer os entes queridos de volta, não vai trazer as casas de volta, mas talvez funcione como um lampejo de esperança no ser humano. Algo que a gente não pode perder. Por isso (recitando) devemos cantar pelos mortos, chorar pelos que ficam e orar por dias melhores. O problema é que sempre quem morre é o povo.

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