sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Dos en la Vereda



(Publicado originalmente no Filmologia)

Com os olhos certamente encantados pelo tédio como um problema filosófico, Lisandro Alonso, em parceria com Catriel Vildosola, sacou sua câmera em direção ao seu primeiro filme, Dos en la Vereda (Argentina, 1995), esboçando um curta de quatro minutos que, numa única tomada, mostra dois amigos sentados embaixo de uma marquise numa viela. Eles bebem uma Quilmes, observam o mundo com desinteresse, soltando eventuais e breves frases sobre uma mulher que passa, sobre um convite nunca efetivado ou sobre a necessidade de comprar outra cerveja. Parecem cansados, enfadados, escutam rádio e fumam um cigarro, enquanto os diretores traçam de maneira bastante minimalista um registro da ausência por meio de um tempo que se dilata, um tempo arrastado em que nada acontece até o fim. Há, contudo, uma ambiguidade nas imagens, pois o tédio não surge apenas como um estado sem estímulo, o direto contrário do afeto no sentido literal de afetar, mas como um comportamento político em potência: vindo do termo latim tædium, do verbo tædere, traduzido como fastio, desgosto, aborrecimento, dissabor, enjôo, repugnância, tudo que enfada, molesta, cansa, incomoda, o conceito pode ser pensado como uma aversão completa diante dos rumos de uma sociedade mecanizada e racional que perdeu as certezas de uma fé, uma negação tão abrupta que produz uma absoluta indiferença diante da realidade. Com a ascensão reivindicada pelo Romantismo, o tédio é uma experiência própria da Modernidade, uma perda de significado, a mortificação simbólica do ser.

A apatia provinda desse estado, para alguns filósofos um estado que reforça propriedades de nossa humanidade, é marcada também por um desinteresse estético, ainda que Heidegger, dando uma conotação existencialista ao debate, destaque o tédio como o sentimento que revela a totalidade das coisas em sua indiferença. Essa é a premissa, inclusive, que inspira Alonso em boa parte de seu cinema. Há uma busca pelo momento menor entre os momentos que deveriam ser maiores e dignos de lembranças, o tédio é o tempo que não deve ser lembrado depois que estamos curados, é um tempo tentador, onde todos os movimentos forçados nos levam à falta de ação. Trata-se de um estado que funciona como resposta, um instinto de negatividade intenso por entender as arestas vacilantes de um sistema opressor, desprezando-as em absoluto, podendo chegar ao limite de tirarmos a própria vida para afirmar o desacordo. O tédio é repetição, são os jogos, os cigarros e as pequenas distrações, não necessariamente uma ausência de sentir, mas a impossibilidade de se emocionar como os dados de um mundo deveras cartografado. A própria câmera de Alonso parece sem grande interesse pelos personagens embaixo da marquise, as lentes flagram os dois rapazes apenas por acaso, observando-os por um breve tempo até seguir adiante. A amizade em cena não está distante do desinteresse, um parece totalmente previsível para o outro, como se ambos já soubessem decoradas todas as histórias – elas não serão mais contadas – de modo que marcam aquele contato ínfimo e íntimo através da indiferença.

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