sexta-feira, 12 de julho de 2013

Caixa Eletrônico

Antes de repassar as finanças para o síndico, o porteiro mais antigo do prédio Piazza di Verona costumava organizar e fechar os pagamentos do condomínio depois do anoitecer do quinto dia útil de cada mês. Romão, morador de apenas um ano num lugar de inquilinos de longa data; rapaz jovem, forte, peludo e relapso com os trâmites e miudezas do dia-a-dia, tinha esquecido pela sétima vez o dia do vencimento, de forma que acordou num salto do cochilo pós-almoço, cochilo pesado depois da dobradinha oferecida na casa de uma ex-namorada. Não a última ex, outra. Despediu-se com um forte abraço e com a rapidez que a dupla situação necessitava, correu para a parada de ônibus, esperou meia hora, passou seu cartão de trabalhador, ficou em pé, trânsito, mais trânsito, novamente mais trânsito, desceu cinquenta minutos depois, a chuva começou a cair, abriu uma sombrinha roxa emprestada pela mãe, os arames estalavam a cada vento mais forte e seguiu para o supermercado mais próximo de seu prédio, onde existiam alguns caixas-eletrônicos. Com o céu cinza, sem relógio ou celular, não sabia bem a hora, também não estava disposto a parar alguém na chuva para perguntar. Subindo a ladeira de acesso ao centro de compras, Romão percebeu que as luzes estavam falhando, acendendo e apagando, silenciosamente desejou a estabilidade, mas quando se aproximou da porta eletrônica, com ela quase fechando, as luzes se apagaram em definitivo. O rapaz foi invadido por um pensamento permeado pelo desespero e pelo ódio: "a porta é eletrônica, caso não abra manualmente, vou atrasar a taxa de condomínio, mas a multa vai valer a pena porque vou postar no Facebook o absurdo que é uma porta ser eletrônica e não funcionar manualmente, porque se fosse um incêndio lá dentro, as pessoas ficariam impossibilitadas de sair e morreriam todas queimadas". A porta funcionava no manual, bastava empurrar e, nem foi preciso, porque o gerador foi prontamente acionado, fazendo com que todas as luzes retornassem e a porta abrisse quando Romão chegou perto. De imediato, o rapaz entrou na fila de seu banco, com aqueles movimentos similares de quem está se mijando, percebendo em seguida, para sua sorte, acreditava, que nenhum dos caixas-eletrônicos tinham apagado durante a falha de energia. Exceto pelo caixa 24h, o único em que ninguém esperava na fila. No banco de Romão, apenas duas pessoas na sua frente: uma utilizando o caixa e a outra esperando. Nos outros três bancos, as filas eram maiores. Enquanto aguardava a sua vez, olhou as pessoas para ver se valia a pena ficar encarando alguém, não valia, então Romão ficou observando o sistema do caixa 24h reiniciar, processo demorado, muitos e muitos minutos se passaram, tempo suficiente para a velhinha que estava usando o seu caixa errar dez vezes e conseguir realizar um saque na décima primeira. Uma garota se aproximou do tal caixa, olhou, esperou um tempinho, atendeu o telefone e foi embora. O sistema continuava a reiniciar, mantendo um aviso em vermelho na tela, enquanto a mulher na sua frente imprimia extratos sem fim. Quando finalmente ela saiu, Romão já foi enfiando seu cartão, tentando ser o mais rápido possível. Duas pessoas entraram na sua fila. O sistema do 24h continuava a reiniciar. O rapaz foi realmente veloz, tirou o dinheiro e, antes de prosseguir em sua correria, resolveu conferir as notas e certificar se o valor batia com o solicitado. Quando na sua contagem estava entre os R$ 150 e R$ 200, o caixa ao lado fez aquele barulho típico de que vai soltar dinheiro. Todos os usuários de todas as filas olharam apreensivos, esperando saber se algum dinheiro seria cuspido e como se comportariam depois disso. De quem seria aquele dinheiro? Dividiríamos? Devolveríamos? Decidiríamos na porrada? No final, nada saiu, a tela ficou preta com um aviso permanente: "sistema inoperante". Romão agradeceu. Sua taxa de condomínio dentro do vencimento foi, por muito pouco, salva de dilema um moral.

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